Dra. Nathalia Sousa

Obesidade infantil: como tratar de forma eficaz e com menos culpa

A obesidade infantil é uma realidade que vem crescendo de forma preocupante. Muitos pais chegam ao consultório com perguntas difíceis, como:

  • “O que posso fazer para ajudar meu filho a emagrecer?”

  • “Será que é só uma fase da infância?”

  • “Meu filho precisa tomar remédio ou fazer cirurgia?”

  • “É culpa minha?”

Essas dúvidas são legítimas. A boa notícia é que a ciência tem avançado — e agora temos uma diretriz novinha em folha, publicada em abril de 2025 no CMAJ (Canadian Medical Association Journal), com recomendações claras sobre como tratar a obesidade em crianças e adolescentes de maneira mais eficaz, empática e individualizada.

Neste post, vou te explicar o que mudou, quais são os melhores caminhos, quando considerar medicações ou cirurgia, e como apoiar seu filho (ou filha) com menos julgamento e mais acolhimento.


Obesidade infantil: um problema crescente e complexo

 

A obesidade infantil não é apenas uma questão estética. Ela é reconhecida pela medicina como uma doença crônica, progressiva e estigmatizante, que afeta o corpo e a mente da criança — e muitas vezes de toda a família.

Segundo dados da diretriz:

  • Mais de 1 em cada 4 crianças entre 4 e 11 anos já têm sobrepeso ou obesidade.

  • Esse número sobe para 1 em cada 3 entre 12 e 17 anos.

  • 80% dos adolescentes com obesidade permanecem obesos na fase adulta.

 

Isso significa que a obesidade raramente se resolve sozinha. E quando não tratada, pode levar a problemas como:

  • Pré-diabetes e diabetes tipo 2

  • Pressão alta e colesterol alto

  • Apneia do sono

  • Dores articulares

  • Ansiedade, depressão, bullying

  • Baixa autoestima e exclusão social

 

A culpa não é sua. Nem do seu filho.

A nova diretriz é muito clara: a obesidade não é uma escolha. É o resultado de uma interação complexa entre fatores genéticos, ambientais, sociais e metabólicos. E mais: é uma condição que pode melhorar com apoio adequado.

Por isso, o primeiro passo é mudar a forma como falamos sobre obesidade. Em vez de usar termos como “obeso”, falamos de “criança com obesidade” — colocando a pessoa em primeiro lugar, e não o problema.


 

O que a nova diretriz recomenda?

A diretriz de 2025 traz 10 recomendações práticas e 9 orientações clínicas para profissionais de saúde e famílias. O foco é individualizar o tratamento e envolver a criança e os cuidadores em todas as decisões.

As principais recomendações envolvem três grandes áreas de tratamento:

1. Intervenções comportamentais e psicológicas
2. Tratamentos com medicamentos
3. Cirurgia bariátrica em casos graves
 

Vou detalhar cada uma a seguir.


 

1. Intervenções comportamentais e psicológicas: a base do tratamento

Quando falamos sobre tratar a obesidade infantil, muita gente imagina dietas rigorosas, restrições ou academias cheias. Mas a ciência é clara: o que mais funciona não é começar com o peso, e sim olhar para os hábitos e o ambiente da criança como um todo.

A nova diretriz reforça que as chamadas intervenções multicomponentes — aquelas que combinam mudanças na alimentação, atividade física e apoio psicológico — são os pilares mais importantes do tratamento da obesidade infantil. E o melhor: são intervenções seguras, sem efeitos colaterais sérios, e que têm o poder de transformar a saúde física e emocional da criança.

Mas o que isso significa na prática?

Significa que o tratamento precisa ir além do “coma menos e se exercite mais”. A abordagem deve incluir:

  • Rotina alimentar organizada, com refeições previsíveis e sem pressão.

  • Momentos de movimento inseridos naturalmente no dia a dia da criança.

  • Conversas que acolham e empoderem, e não que envergonhem ou cobrem.

  • Atenção às emoções, gatilhos e vínculos com a comida.

  • Participação ativa dos pais ou responsáveis, como modelos de comportamento.


 

Por que envolver a família é tão importante?

A criança não tem controle total sobre os alimentos que chegam à mesa, sobre os horários das refeições ou sobre as possibilidades de movimento. Por isso, o ambiente em casa é determinante para o sucesso.

Quando os pais mudam junto, a chance de sucesso aumenta exponencialmente. Famílias que participam ativamente do tratamento, fazendo pequenas mudanças na rotina, conseguem:

  • Melhorar a relação com a comida

  • Reduzir o estigma e a culpa

  • Reforçar comportamentos positivos com consistência

  • Criar hábitos duradouros para todos da casa


5 pilares para começar em casa

Aqui vão cinco pilares práticos que podem ser aplicados por qualquer família, com ou sem ajuda profissional — embora o acompanhamento com endocrinologista, nutricionista e psicólogo torne tudo mais eficaz:

1. Estabeleça uma rotina de refeições

  • Evite “beliscar” o tempo todo.

  • Tenha 3 refeições principais e 2 lanches planejados.

  • Coma à mesa, em família, sem distrações como TV ou celular.

  • Dê o exemplo: os pais que se alimentam de forma equilibrada influenciam diretamente os filhos.

 

2. Incentive o movimento diário (sem precisar de academia)

  • Substitua telas por atividades ao ar livre: pular corda, andar de bicicleta, dançar, passear com o cachorro.

  • Brincar também é exercício!

  • Limite o tempo de tela (TV, tablet, celular) para no máximo 2 horas por dia.

  • Se possível, inscreva a criança em esportes ou atividades que ela goste 

 

3. Crie um ambiente alimentar saudável

  • Deixe frutas lavadas e cortadas à vista.

  • Evite manter refrigerantes, salgadinhos, biscoitos e doces em casa como opção padrão.

  • Use pratos menores para ajudar na percepção de saciedade.

  • Sirva sempre verduras e legumes na metade do prato (mesmo que a criança ainda esteja se adaptando ao sabor).

 

4. Cuide do sono e das emoções

  • Crianças que dormem mal têm mais fome no dia seguinte e pior regulação emocional.

  • Estabeleça horários regulares para dormir e acordar, inclusive nos fins de semana.

  • Observe os momentos em que a criança come sem fome (ex: depois de brigas, frustrações, tédio).

  • Trabalhe o vínculo emocional com a comida com acolhimento, e não castigo.

 

5. Evite julgamentos e comparações

  • Não diga: “você não pode comer isso porque está gordo.”

  • Troque por: “vamos escolher juntos algo que nos ajude a crescer fortes e saudáveis?”

  • Evite comparar irmãos ou colegas.

  • Use reforço positivo: “você fez uma ótima escolha hoje” .


E o papel da psicologia?

A nova diretriz recomenda o uso de intervenções psicológicas estruturadas, como:

  • Terapia cognitivo-comportamental (TCC)

  • Entrevista motivacional

  • Apoio em grupo para famílias

  • Treinamento de habilidades sociais e emocionais

 

Essas abordagens ajudam a:

  • Lidar com comer emocional

  • Reduzir sentimentos de fracasso ou culpa

  • Aumentar a autoestima e o senso de capacidade

  • Criar estratégias para lidar com a frustração, bullying ou rejeição

🧠 Exemplo: em vez de focar só no peso da balança, a psicóloga pode ajudar a criança a notar o que ela sente, pensa e deseja, criando um caminho de cuidado mais leve e sustentável.


Quanto tempo dura o tratamento?

Não existe uma resposta única. A diretriz recomenda que o tratamento:

  • Seja contínuo, com apoio ao longo dos anos

  • Seja adaptado à idade e ao estágio de desenvolvimento da criança

  • Inclua reforço positivo, metas realistas e espaço para recomeçar sempre que necessário

📌 O importante não é “perder peso rápido”, mas formar hábitos saudáveis que durem para a vida toda.

 


A verdade sobre recaídas

Toda mudança de hábito envolve altos e baixos. Crianças (e adultos) vão oscilar no processo. Isso não significa que fracassaram.

🔁 A diretriz reforça que a obesidade é uma doença crônica e com tendência à recaída. O que mais ajuda nesses momentos é o vínculo com a equipe de saúde, o apoio da família e a consciência de que recomeçar faz parte.

 

2. Medicamentos: quando e quais considerar?

As diretrizes abrem espaço para considerar medicações para obesidade em crianças a partir de 12 anos, em combinação com acompanhamento psicológico e nutricional.

➤ a) GLP-1 análogos (como a semaglutida)

🔬 Esses medicamentos atuam no cérebro, reduzindo a fome e aumentando a saciedade. Também melhoram o controle da glicemia e ajudam na perda de peso.

📊 Resultados da diretriz:

  • Semaglutida mostrou grande redução do IMC e melhora nos níveis de colesterol, insulina e qualidade de vida.

  • Perda média de peso: quase 5 kg a mais do que placebo.

⚠️ Efeitos colaterais comuns: náusea, dor abdominal e diarreia — geralmente leves e transitórios.

👧 Indicação: crianças a partir de 12 anos, com obesidade significativa, especialmente se já tentaram mudanças no estilo de vida sem sucesso.

➤ b) Metformina

Mais conhecida por seu uso no diabetes, a metformina também pode ajudar na obesidade infantil.

📊 Resultados:

  • Redução moderada no IMC

  • Melhora na resistência à insulina e triglicerídeos

  • Sem eventos adversos graves

📝 Indicação: crianças acima de 12 anos com obesidade e sinais de resistência à insulina ou pré-diabetes.


3. Cirurgia bariátrica: quando considerar?

Sim, a cirurgia também pode ser uma opção em adolescentes com obesidade severa, a partir dos 13 anos — desde que acompanhados por equipe especializada .

As duas cirurgias avaliadas foram:

🔹 Gastrectomia vertical (Sleeve)
🔹 Bypass gástrico (Roux-en-Y)
 

📊 Resultados:

  • Redução de até 23 kg de peso

  • Melhora da qualidade de vida

  • Redução do colesterol, pressão, insulina e marcadores inflamatórios

  • Efeitos colaterais variam, mas a maioria dos eventos adversos foi leve (náusea, vômitos)

💡 A cirurgia não é o primeiro passo, mas pode ser indicada em casos graves, especialmente quando outras estratégias falharam.

⚠️ Exige equipe multidisciplinar com endocrinologista pediátrico, cirurgião, psicólogo e nutricionista.


Como medir o sucesso?

A nova diretriz propõe uma visão mais ampla. O sucesso não é só emagrecer. Pode incluir:

  • Melhorar a autoestima

  • Dormir melhor

  • Participar mais das atividades escolares

  • Reduzir o uso de medicações

  • Comer melhor, mesmo que o peso mude pouco

A avaliação deve ser individualizada, considerando o que importa para a criança e sua família.


Como começar o tratamento?

A diretriz sugere usar um modelo chamado 4Ms, avaliando os impactos da obesidade em:

  • Metabolismo: colesterol, glicose, pressão

  • Mecânica: dor articular, apneia do sono

  • Mental: autoestima, depressão, ansiedade

  • Meio social: bullying, isolamento, alimentação em casa


Conclusão: o tratamento funciona — e começa com acolhimento

A obesidade infantil é uma condição séria, mas tratável. A nova diretriz é clara ao dizer que o julgamento atrapalha — o que ajuda mesmo é empatia, estratégia e acompanhamento contínuo.

Se você tem um filho, neto ou paciente com obesidade, não espere a adolescência ou a fase adulta para agir. O quanto antes começarmos, melhores serão os resultados.

Você não precisa enfrentar isso sozinho. Como endocrinologista, posso te ajudar com um plano de cuidado individualizado, baseado nas melhores evidências e com um olhar humano.


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O primeiro passo é sempre o mais importante. Vamos juntos?


Referência científica:

Ball GDC, Merdad R, Birken CS, et al. Managing obesity in children: a clinical practice guideline. CMAJ. 2025;197(14):E372-E389. doi: 10.1503/cmaj.241456

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