A obesidade infantil é uma realidade que vem crescendo de forma preocupante. Muitos pais chegam ao consultório com perguntas difíceis, como:
“O que posso fazer para ajudar meu filho a emagrecer?”
“Será que é só uma fase da infância?”
“Meu filho precisa tomar remédio ou fazer cirurgia?”
“É culpa minha?”
Essas dúvidas são legítimas. A boa notícia é que a ciência tem avançado — e agora temos uma diretriz novinha em folha, publicada em abril de 2025 no CMAJ (Canadian Medical Association Journal), com recomendações claras sobre como tratar a obesidade em crianças e adolescentes de maneira mais eficaz, empática e individualizada.
Neste post, vou te explicar o que mudou, quais são os melhores caminhos, quando considerar medicações ou cirurgia, e como apoiar seu filho (ou filha) com menos julgamento e mais acolhimento.
Obesidade infantil: um problema crescente e complexo
A obesidade infantil não é apenas uma questão estética. Ela é reconhecida pela medicina como uma doença crônica, progressiva e estigmatizante, que afeta o corpo e a mente da criança — e muitas vezes de toda a família.
Segundo dados da diretriz:
Mais de 1 em cada 4 crianças entre 4 e 11 anos já têm sobrepeso ou obesidade.
Esse número sobe para 1 em cada 3 entre 12 e 17 anos.
80% dos adolescentes com obesidade permanecem obesos na fase adulta.
Isso significa que a obesidade raramente se resolve sozinha. E quando não tratada, pode levar a problemas como:
Pré-diabetes e diabetes tipo 2
Pressão alta e colesterol alto
Apneia do sono
Dores articulares
Ansiedade, depressão, bullying
Baixa autoestima e exclusão social
A culpa não é sua. Nem do seu filho.
A nova diretriz é muito clara: a obesidade não é uma escolha. É o resultado de uma interação complexa entre fatores genéticos, ambientais, sociais e metabólicos. E mais: é uma condição que pode melhorar com apoio adequado.
Por isso, o primeiro passo é mudar a forma como falamos sobre obesidade. Em vez de usar termos como “obeso”, falamos de “criança com obesidade” — colocando a pessoa em primeiro lugar, e não o problema.
O que a nova diretriz recomenda?
A diretriz de 2025 traz 10 recomendações práticas e 9 orientações clínicas para profissionais de saúde e famílias. O foco é individualizar o tratamento e envolver a criança e os cuidadores em todas as decisões.
As principais recomendações envolvem três grandes áreas de tratamento:
1. Intervenções comportamentais e psicológicas
2. Tratamentos com medicamentos
3. Cirurgia bariátrica em casos graves
Vou detalhar cada uma a seguir.
1. Intervenções comportamentais e psicológicas: a base do tratamento
Quando falamos sobre tratar a obesidade infantil, muita gente imagina dietas rigorosas, restrições ou academias cheias. Mas a ciência é clara: o que mais funciona não é começar com o peso, e sim olhar para os hábitos e o ambiente da criança como um todo.
A nova diretriz reforça que as chamadas intervenções multicomponentes — aquelas que combinam mudanças na alimentação, atividade física e apoio psicológico — são os pilares mais importantes do tratamento da obesidade infantil. E o melhor: são intervenções seguras, sem efeitos colaterais sérios, e que têm o poder de transformar a saúde física e emocional da criança.
Mas o que isso significa na prática?
Significa que o tratamento precisa ir além do “coma menos e se exercite mais”. A abordagem deve incluir:
Rotina alimentar organizada, com refeições previsíveis e sem pressão.
Momentos de movimento inseridos naturalmente no dia a dia da criança.
Conversas que acolham e empoderem, e não que envergonhem ou cobrem.
Atenção às emoções, gatilhos e vínculos com a comida.
Participação ativa dos pais ou responsáveis, como modelos de comportamento.
Por que envolver a família é tão importante?
A criança não tem controle total sobre os alimentos que chegam à mesa, sobre os horários das refeições ou sobre as possibilidades de movimento. Por isso, o ambiente em casa é determinante para o sucesso.
Quando os pais mudam junto, a chance de sucesso aumenta exponencialmente. Famílias que participam ativamente do tratamento, fazendo pequenas mudanças na rotina, conseguem:
Melhorar a relação com a comida
Reduzir o estigma e a culpa
Reforçar comportamentos positivos com consistência
Criar hábitos duradouros para todos da casa
5 pilares para começar em casa
Aqui vão cinco pilares práticos que podem ser aplicados por qualquer família, com ou sem ajuda profissional — embora o acompanhamento com endocrinologista, nutricionista e psicólogo torne tudo mais eficaz:
1. Estabeleça uma rotina de refeições
Evite “beliscar” o tempo todo.
Tenha 3 refeições principais e 2 lanches planejados.
Coma à mesa, em família, sem distrações como TV ou celular.
Dê o exemplo: os pais que se alimentam de forma equilibrada influenciam diretamente os filhos.
2. Incentive o movimento diário (sem precisar de academia)
Substitua telas por atividades ao ar livre: pular corda, andar de bicicleta, dançar, passear com o cachorro.
Brincar também é exercício!
Limite o tempo de tela (TV, tablet, celular) para no máximo 2 horas por dia.
Se possível, inscreva a criança em esportes ou atividades que ela goste
3. Crie um ambiente alimentar saudável
Deixe frutas lavadas e cortadas à vista.
Evite manter refrigerantes, salgadinhos, biscoitos e doces em casa como opção padrão.
Use pratos menores para ajudar na percepção de saciedade.
Sirva sempre verduras e legumes na metade do prato (mesmo que a criança ainda esteja se adaptando ao sabor).
4. Cuide do sono e das emoções
Crianças que dormem mal têm mais fome no dia seguinte e pior regulação emocional.
Estabeleça horários regulares para dormir e acordar, inclusive nos fins de semana.
Observe os momentos em que a criança come sem fome (ex: depois de brigas, frustrações, tédio).
Trabalhe o vínculo emocional com a comida com acolhimento, e não castigo.
5. Evite julgamentos e comparações
Não diga: “você não pode comer isso porque está gordo.”
Troque por: “vamos escolher juntos algo que nos ajude a crescer fortes e saudáveis?”
Evite comparar irmãos ou colegas.
Use reforço positivo: “você fez uma ótima escolha hoje” .
E o papel da psicologia?
A nova diretriz recomenda o uso de intervenções psicológicas estruturadas, como:
Terapia cognitivo-comportamental (TCC)
Entrevista motivacional
Apoio em grupo para famílias
Treinamento de habilidades sociais e emocionais
Essas abordagens ajudam a:
Lidar com comer emocional
Reduzir sentimentos de fracasso ou culpa
Aumentar a autoestima e o senso de capacidade
Criar estratégias para lidar com a frustração, bullying ou rejeição
🧠 Exemplo: em vez de focar só no peso da balança, a psicóloga pode ajudar a criança a notar o que ela sente, pensa e deseja, criando um caminho de cuidado mais leve e sustentável.
Quanto tempo dura o tratamento?
Não existe uma resposta única. A diretriz recomenda que o tratamento:
Seja contínuo, com apoio ao longo dos anos
Seja adaptado à idade e ao estágio de desenvolvimento da criança
Inclua reforço positivo, metas realistas e espaço para recomeçar sempre que necessário
📌 O importante não é “perder peso rápido”, mas formar hábitos saudáveis que durem para a vida toda.
A verdade sobre recaídas
Toda mudança de hábito envolve altos e baixos. Crianças (e adultos) vão oscilar no processo. Isso não significa que fracassaram.
🔁 A diretriz reforça que a obesidade é uma doença crônica e com tendência à recaída. O que mais ajuda nesses momentos é o vínculo com a equipe de saúde, o apoio da família e a consciência de que recomeçar faz parte.
2. Medicamentos: quando e quais considerar?
As diretrizes abrem espaço para considerar medicações para obesidade em crianças a partir de 12 anos, em combinação com acompanhamento psicológico e nutricional.
➤ a) GLP-1 análogos (como a semaglutida)
🔬 Esses medicamentos atuam no cérebro, reduzindo a fome e aumentando a saciedade. Também melhoram o controle da glicemia e ajudam na perda de peso.
📊 Resultados da diretriz:
Semaglutida mostrou grande redução do IMC e melhora nos níveis de colesterol, insulina e qualidade de vida.
Perda média de peso: quase 5 kg a mais do que placebo.
⚠️ Efeitos colaterais comuns: náusea, dor abdominal e diarreia — geralmente leves e transitórios.
👧 Indicação: crianças a partir de 12 anos, com obesidade significativa, especialmente se já tentaram mudanças no estilo de vida sem sucesso.
➤ b) Metformina
Mais conhecida por seu uso no diabetes, a metformina também pode ajudar na obesidade infantil.
📊 Resultados:
Redução moderada no IMC
Melhora na resistência à insulina e triglicerídeos
Sem eventos adversos graves
📝 Indicação: crianças acima de 12 anos com obesidade e sinais de resistência à insulina ou pré-diabetes.
3. Cirurgia bariátrica: quando considerar?
Sim, a cirurgia também pode ser uma opção em adolescentes com obesidade severa, a partir dos 13 anos — desde que acompanhados por equipe especializada .
As duas cirurgias avaliadas foram:
🔹 Gastrectomia vertical (Sleeve)
🔹 Bypass gástrico (Roux-en-Y)
📊 Resultados:
Redução de até 23 kg de peso
Melhora da qualidade de vida
Redução do colesterol, pressão, insulina e marcadores inflamatórios
Efeitos colaterais variam, mas a maioria dos eventos adversos foi leve (náusea, vômitos)
💡 A cirurgia não é o primeiro passo, mas pode ser indicada em casos graves, especialmente quando outras estratégias falharam.
⚠️ Exige equipe multidisciplinar com endocrinologista pediátrico, cirurgião, psicólogo e nutricionista.
Como medir o sucesso?
A nova diretriz propõe uma visão mais ampla. O sucesso não é só emagrecer. Pode incluir:
Melhorar a autoestima
Dormir melhor
Participar mais das atividades escolares
Reduzir o uso de medicações
Comer melhor, mesmo que o peso mude pouco
A avaliação deve ser individualizada, considerando o que importa para a criança e sua família.
Como começar o tratamento?
A diretriz sugere usar um modelo chamado 4Ms, avaliando os impactos da obesidade em:
Metabolismo: colesterol, glicose, pressão
Mecânica: dor articular, apneia do sono
Mental: autoestima, depressão, ansiedade
Meio social: bullying, isolamento, alimentação em casa
Conclusão: o tratamento funciona — e começa com acolhimento
A obesidade infantil é uma condição séria, mas tratável. A nova diretriz é clara ao dizer que o julgamento atrapalha — o que ajuda mesmo é empatia, estratégia e acompanhamento contínuo.
Se você tem um filho, neto ou paciente com obesidade, não espere a adolescência ou a fase adulta para agir. O quanto antes começarmos, melhores serão os resultados.
Você não precisa enfrentar isso sozinho. Como endocrinologista, posso te ajudar com um plano de cuidado individualizado, baseado nas melhores evidências e com um olhar humano.
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O primeiro passo é sempre o mais importante. Vamos juntos?
Referência científica:
Ball GDC, Merdad R, Birken CS, et al. Managing obesity in children: a clinical practice guideline. CMAJ. 2025;197(14):E372-E389. doi: 10.1503/cmaj.241456