Você já se perguntou como a sua alimentação durante a gravidez pode impactar a saúde do seu bebê a longo prazo? A ciência acaba de trazer respostas surpreendentes.
Um estudo recém-publicado na revista Nature Metabolism acompanhou mais de 60 mil mães e seus filhos ao longo de 10 anos e revelou uma associação clara entre a alimentação materna na gestação e o risco de o filho desenvolver transtornos como TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade) e autismo na infância e adolescência.
Neste post, vou explicar os principais achados dessa pesquisa de forma acessível, mostrar o que é considerado uma “dieta ocidental” e por que ela pode ser prejudicial ao cérebro do bebê — e, mais importante, como você pode se proteger com escolhas simples e saudáveis. Se você está grávida, planejando engravidar ou conhece alguém que esteja nesse momento, essa leitura é essencial.
O que a ciência descobriu
O estudo analisou dados da coorte COPSAC2010, um grupo de acompanhamento de mães e filhos na Dinamarca. As mães responderam questionários alimentares na 24ª semana de gestação, e os filhos foram acompanhados até os 10 anos de idade com avaliações clínicas detalhadas para TDAH, autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento.
Resultados principais:
Crianças cujas mães seguiram uma dieta ocidental na gravidez apresentaram 66% mais risco de TDAH e 2,2 vezes mais risco de autismo do que aquelas cujas mães tiveram uma alimentação mais equilibrada.
Esses achados foram confirmados em três grandes coortes independentes, incluindo mais de 59 mil mães e filhos.
O risco foi ainda maior em meninos, filhos de mães com sobrepeso ou obesidade e crianças com predisposição genética.
Isso significa que, mesmo antes do nascimento, os alimentos que uma mãe consome podem influenciar o desenvolvimento cerebral do seu bebê — aumentando ou reduzindo os riscos de transtornos como TDAH e autismo.
Mas o que é essa “dieta ocidental”?
A chamada “dieta ocidental” é um padrão alimentar muito comum atualmente, caracterizado por:
Alto consumo de:
Carnes processadas (salsichas, bacon, embutidos)
Alimentos ultraprocessados
Refrigerantes e bebidas açucaradas
Frituras
Gorduras saturadas e trans
Açúcares refinados
Farinhas brancas
Baixo consumo de:
Frutas
Verduras e legumes
Peixes ricos em ômega-3 (como salmão e sardinha)
Grãos integrais
Oleaginosas (castanhas, nozes)
Esse padrão, infelizmente, é muito presente no dia a dia de muitas pessoas, especialmente por conta da praticidade e do marketing em torno dos alimentos ultraprocessados.
Por que essa dieta afeta o cérebro do bebê?
Durante a gestação, tudo que a mãe come serve de base para a construção do organismo do bebê — incluindo o cérebro. Nutrientes como ferro, ômega-3 (DHA e EPA), vitaminas B, D, colina, zinco e iodo são essenciais para o desenvolvimento cerebral fetal.
A dieta ocidental, rica em calorias vazias e pobre nesses nutrientes protetores, pode:
Prejudicar a formação das conexões cerebrais
Aumentar inflamações silenciosas no organismo
Interferir na comunicação entre o intestino e o cérebro do bebê (eixo intestino-cérebro)
Alterar o metabolismo lipídico, importante para a mielinização (formação da “capa protetora” dos neurônios)
Desencadear mudanças no metabolismo materno que influenciam diretamente a placenta e o feto
O estudo identificou 15 metabólitos no sangue da mãe associados à dieta ocidental que estavam diretamente ligados ao maior risco de TDAH e autismo nos filhos. Alguns desses compostos vêm diretamente dos alimentos consumidos, especialmente gorduras saturadas e aditivos.
Os efeitos são duradouros?
Sim. O estudo mostrou que as crianças avaliadas aos 6, 8 e 10 anos mantinham o risco aumentado de TDAH ou sintomas ligados à hiperatividade e dificuldade de atenção. Ou seja, não é um efeito passageiro. Inclusive, mesmo crianças sem diagnóstico formal de TDAH ou autismo mas cujas mães seguiram a dieta ocidental apresentaram mais sintomas comportamentais e dificuldades cognitivas.
Quem está em maior risco?
A combinação de alguns fatores torna o efeito da dieta ainda mais perigoso:
Mães com IMC acima de 25 antes da gravidez
Mães que fumaram ou usaram antibióticos durante a gravidez
Famílias com histórico genético de TDAH ou autismo
Meninos (os efeitos foram mais pronunciados no sexo masculino)
Mas mesmo fora desses grupos, qualquer gestante que segue esse padrão alimentar pode colocar o bebê em risco aumentado. A boa notícia é que mudanças simples na alimentação podem reverter isso.
Como proteger o cérebro do bebê?
Não se trata de seguir uma dieta “perfeita”, mas de fazer boas escolhas na maior parte do tempo. Aqui vão 8 dicas práticas que você pode seguir:
1. Priorize alimentos de verdade
Coma mais frutas, legumes, verduras, arroz integral, feijão, ovos, carnes magras, castanhas, azeite, peixes e tubérculos como batata-doce.
2. Inclua fontes de ômega-3
Salmão, sardinha, chia e linhaça são fontes importantes. Se necessário, suplementação pode ser indicada.
3. Evite ultraprocessados
Leia os rótulos: se o produto tem muitos ingredientes que você não reconhece, evite. Troque salgadinhos por frutas secas ou castanhas.
4. Reduza açúcar e refrigerantes
Troque por água, sucos naturais ou chás. Açúcar em excesso afeta o metabolismo e pode interferir na formação cerebral do bebê.
5. Cozinhe mais em casa
Isso dá controle sobre os ingredientes usados e favorece uma alimentação mais natural.
6. Cuide da saúde intestinal
Consuma fibras e alimentos fermentados (como iogurte natural) para manter a saúde do microbioma, que também influencia o cérebro fetal.
7. Acompanhe seu ganho de peso
O peso ideal na gravidez varia conforme o IMC inicial. O acompanhamento com endocrinologista e nutricionista é fundamental.
8. Tenha acompanhamento médico individualizado
Cada gestante tem suas necessidades nutricionais e riscos específicos. O ideal é montar um plano alimentar com ajuda profissional.
O que esse estudo muda na prática?
Este é um dos estudos mais robustos já realizados sobre o tema. Ele não só associou a dieta ocidental ao risco de transtornos como TDAH e autismo, mas também identificou marcadores objetivos no sangue da mãe — ou seja, mostrou que o efeito da alimentação é real, mensurável e começa ainda na barriga.
Além disso, mostrou que os primeiros meses da gravidez são uma janela especialmente sensível, o que reforça a importância de cuidar da alimentação desde o planejamento da gravidez ou nas primeiras semanas.
Conclusão: o que você come hoje pode mudar o futuro do seu filho
Se você está grávida ou tentando engravidar, este é o momento ideal para investir em sua saúde e na saúde do seu bebê. A alimentação é uma ferramenta poderosa — e agora sabemos que ela pode influenciar até o funcionamento do cérebro da criança a longo prazo.
Não é sobre perfeição. É sobre fazer escolhas mais conscientes, todos os dias
Referência científica
Horner D, Arendt M et al. A western dietary pattern during pregnancy is associated with neurodevelopmental disorders in childhood and adolescence. Nature Metabolism. 2025 Mar;7:586–601.