Dra. Nathalia Sousa

Alimentação na gravidez e o risco de TDAH e autismo: o que a ciência acaba de revelar

 

Você já se perguntou como a sua alimentação durante a gravidez pode impactar a saúde do seu bebê a longo prazo? A ciência acaba de trazer respostas surpreendentes.

Um estudo recém-publicado na revista Nature Metabolism acompanhou mais de 60 mil mães e seus filhos ao longo de 10 anos e revelou uma associação clara entre a alimentação materna na gestação e o risco de o filho desenvolver transtornos como TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade) e autismo na infância e adolescência.

Neste post, vou explicar os principais achados dessa pesquisa de forma acessível, mostrar o que é considerado uma “dieta ocidental” e por que ela pode ser prejudicial ao cérebro do bebê — e, mais importante, como você pode se proteger com escolhas simples e saudáveis. Se você está grávida, planejando engravidar ou conhece alguém que esteja nesse momento, essa leitura é essencial.


O que a ciência descobriu

O estudo analisou dados da coorte COPSAC2010, um grupo de acompanhamento de mães e filhos na Dinamarca. As mães responderam questionários alimentares na 24ª semana de gestação, e os filhos foram acompanhados até os 10 anos de idade com avaliações clínicas detalhadas para TDAH, autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento.

Resultados principais:

  • Crianças cujas mães seguiram uma dieta ocidental na gravidez apresentaram 66% mais risco de TDAH e 2,2 vezes mais risco de autismo do que aquelas cujas mães tiveram uma alimentação mais equilibrada.

  • Esses achados foram confirmados em três grandes coortes independentes, incluindo mais de 59 mil mães e filhos.

  • O risco foi ainda maior em meninos, filhos de mães com sobrepeso ou obesidade e crianças com predisposição genética.

Isso significa que, mesmo antes do nascimento, os alimentos que uma mãe consome podem influenciar o desenvolvimento cerebral do seu bebê — aumentando ou reduzindo os riscos de transtornos como TDAH e autismo.


Mas o que é essa “dieta ocidental”?

A chamada “dieta ocidental” é um padrão alimentar muito comum atualmente, caracterizado por:

  • Alto consumo de:

    • Carnes processadas (salsichas, bacon, embutidos)

    • Alimentos ultraprocessados

    • Refrigerantes e bebidas açucaradas

    • Frituras

    • Gorduras saturadas e trans

    • Açúcares refinados

    • Farinhas brancas

  • Baixo consumo de:

    • Frutas

    • Verduras e legumes

    • Peixes ricos em ômega-3 (como salmão e sardinha)

    • Grãos integrais

    • Oleaginosas (castanhas, nozes)

Esse padrão, infelizmente, é muito presente no dia a dia de muitas pessoas, especialmente por conta da praticidade e do marketing em torno dos alimentos ultraprocessados.


Por que essa dieta afeta o cérebro do bebê?

Durante a gestação, tudo que a mãe come serve de base para a construção do organismo do bebê — incluindo o cérebro. Nutrientes como ferro, ômega-3 (DHA e EPA), vitaminas B, D, colina, zinco e iodo são essenciais para o desenvolvimento cerebral fetal.

A dieta ocidental, rica em calorias vazias e pobre nesses nutrientes protetores, pode:

  • Prejudicar a formação das conexões cerebrais

  • Aumentar inflamações silenciosas no organismo

  • Interferir na comunicação entre o intestino e o cérebro do bebê (eixo intestino-cérebro)

  • Alterar o metabolismo lipídico, importante para a mielinização (formação da “capa protetora” dos neurônios)

  • Desencadear mudanças no metabolismo materno que influenciam diretamente a placenta e o feto

O estudo identificou 15 metabólitos no sangue da mãe associados à dieta ocidental que estavam diretamente ligados ao maior risco de TDAH e autismo nos filhos. Alguns desses compostos vêm diretamente dos alimentos consumidos, especialmente gorduras saturadas e aditivos.


Os efeitos são duradouros?

Sim. O estudo mostrou que as crianças avaliadas aos 6, 8 e 10 anos mantinham o risco aumentado de TDAH ou sintomas ligados à hiperatividade e dificuldade de atenção. Ou seja, não é um efeito passageiro. Inclusive, mesmo crianças sem diagnóstico formal de TDAH ou autismo mas cujas mães seguiram a dieta ocidental apresentaram mais sintomas comportamentais e dificuldades cognitivas.


Quem está em maior risco?

A combinação de alguns fatores torna o efeito da dieta ainda mais perigoso:

  • Mães com IMC acima de 25 antes da gravidez

  • Mães que fumaram ou usaram antibióticos durante a gravidez

  • Famílias com histórico genético de TDAH ou autismo

  • Meninos (os efeitos foram mais pronunciados no sexo masculino)

Mas mesmo fora desses grupos, qualquer gestante que segue esse padrão alimentar pode colocar o bebê em risco aumentado. A boa notícia é que mudanças simples na alimentação podem reverter isso.


Como proteger o cérebro do bebê?

Não se trata de seguir uma dieta “perfeita”, mas de fazer boas escolhas na maior parte do tempo. Aqui vão 8 dicas práticas que você pode seguir:

1. Priorize alimentos de verdade

Coma mais frutas, legumes, verduras, arroz integral, feijão, ovos, carnes magras, castanhas, azeite, peixes e tubérculos como batata-doce.

2. Inclua fontes de ômega-3

Salmão, sardinha, chia e linhaça são fontes importantes. Se necessário, suplementação pode ser indicada.

3. Evite ultraprocessados

Leia os rótulos: se o produto tem muitos ingredientes que você não reconhece, evite. Troque salgadinhos por frutas secas ou castanhas.

4. Reduza açúcar e refrigerantes

Troque por água, sucos naturais ou chás. Açúcar em excesso afeta o metabolismo e pode interferir na formação cerebral do bebê.

5. Cozinhe mais em casa

Isso dá controle sobre os ingredientes usados e favorece uma alimentação mais natural.

6. Cuide da saúde intestinal

Consuma fibras e alimentos fermentados (como iogurte natural) para manter a saúde do microbioma, que também influencia o cérebro fetal.

7. Acompanhe seu ganho de peso

O peso ideal na gravidez varia conforme o IMC inicial. O acompanhamento com endocrinologista e nutricionista é fundamental.

8. Tenha acompanhamento médico individualizado

Cada gestante tem suas necessidades nutricionais e riscos específicos. O ideal é montar um plano alimentar com ajuda profissional.


O que esse estudo muda na prática?

Este é um dos estudos mais robustos já realizados sobre o tema. Ele não só associou a dieta ocidental ao risco de transtornos como TDAH e autismo, mas também identificou marcadores objetivos no sangue da mãe — ou seja, mostrou que o efeito da alimentação é real, mensurável e começa ainda na barriga.

Além disso, mostrou que os primeiros meses da gravidez são uma janela especialmente sensível, o que reforça a importância de cuidar da alimentação desde o planejamento da gravidez ou nas primeiras semanas.


Conclusão: o que você come hoje pode mudar o futuro do seu filho

Se você está grávida ou tentando engravidar, este é o momento ideal para investir em sua saúde e na saúde do seu bebê. A alimentação é uma ferramenta poderosa — e agora sabemos que ela pode influenciar até o funcionamento do cérebro da criança a longo prazo.

Não é sobre perfeição. É sobre fazer escolhas mais conscientes, todos os dias

 

Referência científica

 

Horner D, Arendt M et al. A western dietary pattern during pregnancy is associated with neurodevelopmental disorders in childhood and adolescence. Nature Metabolism. 2025 Mar;7:586–601.

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Dra Nathália Sousa

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